No Alvo encerra a primeira temporada com convidados que enfrentaram a verdade de frente e se prepara para a segunda temporada
Nesta última segunda-feira, 29 de setembro, Tiago Pavinatto, advogado e comentarista, foi o último convidado. Conhecido por sua postura contundente e irreverente, ele foi destaque ao desafiar autoridades, ironizar situações e provocar debates acalorados
A temporada foi marcada por emoções intensas, declarações polêmicas, silêncios constrangedores e revelações surpreendentes. Os entrevistados encararam diretamente as câmeras e falaram suas verdades, muitas vezes gerando manchetes e pautando discussões em programas, sites e jornais em todo o Brasil.
A atração não ofereceu zona de conforto, trazendo à tona o que muitos pensam, mas poucos têm coragem de perguntar. Com a temporada encerrada com sucesso, o programa já prepara a segunda fase, prometendo ainda mais coragem e desafios. A pergunta que fica é: quem será o próximo a estar “No Alvo”?
Foto: Divulgação SBTConfira alguns trechos, em formato pingue-pongue, do episódio de “No Alvo” com Tiago Pavinatto:
Você é gay assumido, conservador e de direita, um combo que confunde muita gente. A direita brasileira ainda tem um problema real com a homossexualidade ou é mais preconceito da esquerda achar isso?
Essa pergunta é bastante complexa. É o marxismo, na verdade, em suas origens, que sempre excluiu a homossexualidade. Quando analisamos as obras de Marx e Engels — que são os inventores dos regimes socialistas, dos regimes que almejam o comunismo —, quando compulsamos esses textos, eles pregam a doutrina do homem natural, ou seja, do macho biológico. A homossexualidade nunca teve vez em nenhum país onde um regime marxista foi implantado. Na China comunista, por exemplo, criaram-se os Laogai, que são campos de reeducação. Você mandava pessoas afeminadas para "aprenderem a virar homem". Na Rússia Soviética, o Código Penal trazia um artigo que criminalizava a homossexualidade. Aliás, voltando à China: um homossexual que tivesse sido mandado para um campo de reeducação e reincidisse na prática homossexual poderia ser condenado à pena de morte. O que aconteceu foi uma grande confusão na evolução da esquerda, na formação da nova esquerda, que acabou abraçando, de maneira inadvertida, a homossexualidade. O fato é que, em toda a história da humanidade, a homossexualidade foi vista com olhos preconceituosos. Até 1990, era considerada uma doença. Ser conservador e ser homossexual ao mesmo tempo é compreender que o conservadorismo não é uma pauta de costumes, mas uma pauta de defesa da tradição. Que tradição é essa? A tradição cristã — e o cristianismo mais ortodoxo tem uma ética radical: a ética do amor ao próximo. Então, você pode ser homossexual e ser conservador, no sentido de valorizar a tradição — e não o costume. A tradição abarca mudanças de costume. O costume, congelado, não leva a lugar nenhum. A defesa desse homossexual conservador é da tradição, e não do costume.
Você cresceu com dificuldades financeiras e sem amigos. Como esse passado se concilia com um homem de vocabulário rebuscado e presença nos salões da elite midiática?
Dificuldade financeira, nem tanto. Eu tive uma família estruturada. Nós éramos classe média-baixa, numa cidade pequena do interior. Meu pai perdeu o emprego assim que teve uma crise, um agravamento da LER (Lesão por Esforço Repetitivo), que eu, pessoalmente, acredito que seja Parkinson, porque ele não tem o controle da mão. Passamos uma temporada bastante complexa quando ele perdeu o emprego. Não tínhamos dinheiro para pagar a mensalidade de escola particular. Estudei no SESI do primeiro ano à oitava série. Depois, consegui uma bolsa integral no melhor colégio de Itapira, o Colégio Anglo — e sou muito grato a eles até hoje. Já nesse colégio, com 17 anos, passei no vestibular para Direito no Largo São Francisco. Nós nunca passamos necessidade. Sempre havia comida no prato, sempre tivemos um teto. Só não tínhamos luxo nenhum. E é claro que, quando você nasce — principalmente quem nasceu nos anos 80, como eu — e se descobre homossexual, isso acontece na puberdade. Pelo menos foi o meu caso, e acredito que seja comum: você começa a sentir atração sexual, começa a perceber sua libido… e, quando eu comecei a perceber a minha, o mundo tinha descoberto, poucos anos antes, a AIDS — que era chamada de “câncer gay”. No começo dos anos 90, imerso numa cidade pequena e numa cultura bastante religiosa, toda a imprensa chamava a AIDS de "cura gay". O tratamento ainda era inacessível. Muitos comentaristas diziam que todos os gays morreriam de AIDS. É algo bastante complicado. A gente se fecha. Não consegue falar dos nossos sentimentos. Tem uma puberdade complicada. Quando a gente fica fechado, porque tem um trejeito ou outro… O meu apelido na escola era “Sarita Vitti” — o primeiro personagem trans de uma novela da Glória Perez. Aliás, foi constatar esse fato junto com a Glória Perez que me fez me aproximar dela. Nós nos tornamos amigos por conta desse comentário que eu fiz a ela, uma vez. Então, você acaba criando um ambiente seguro — longe do que hoje se chama de bullying. A gente sofria bullying, mas não tinha esse nome, na minha época. Nós nos fechamos num ambiente de muito estudo. Eu, por exemplo, me fechei num ambiente de muito estudo — e, é claro, num ambiente de fantasia. Num ambiente em que você sempre estuda, lê, imagina, e constrói sozinho uma vida muito diferente daquela que você viveu. Esse fechamento da minha juventude me levou a estudar mais, a passar nos melhores vestibulares, vir para São Paulo com vontade de crescer na vida. Tudo isso ajudou demais. Eu digo que, se tem uma coisa que eu sou, desde que me conheço por gente, é estudante. Antes de ser advogado, professor, jornalista ou comentarista — eu sou estudante.
A sua infância mudou o advogado que brinca com palavras afiadas e o comentarista que prefere o choque à conciliação?
Sim, sem dúvida nenhuma. Quando a gente apanha muito, pela questão social, pela sexualidade, pelo choque cultural , chega um momento em que você conquista tantas coisas que olha para o espelho e diz: “Agora eu não vou mais ser chutado. Agora, quem chuta sou eu.”
Você escreveu um livro, “Uma Outra Luz”, sobre o mito Lampião. O que você teria a dizer para a filha de Lampião, que diz que o livro não tem amparo histórico e te processou?
Tenho a dizer que, sim, o livro tem amparo histórico. Ao final dele, há uma vasta bibliografia e uma pesquisa extensa. Nada do que foi dito ali foi inventado. Esse livro me orgulha muito, porque desmonta um mito bastante desonesto. Endeusaram, no Brasil, a figura de um verdadeiro criminoso. Tudo o que disse ali é verdade. Tanto é verdade que a filha de Lampião perdeu o processo. Recorreu ao Tribunal de Justiça, perdeu. Recorreu ao Superior Tribunal de Justiça, perdeu.
Na juventude, você se envolveu com o PSDB e chegou a atuar com o Alckmin. Hoje, olhando para ele, vice de Lula, o que sente: decepção ou compreensão?
Veja bem, nessa vida eu só posso me decepcionar comigo. E com as pessoas que escolho para interagir na minha vida pessoal. Quando eu estava na faculdade, por volta de 2004 ou 2005, o Brasil tinha dois grandes partidos políticos: o PSDB e o Partido dos Trabalhadores. Foi quando comecei a viver minha sexualidade aqui em São Paulo. Conheci um grupo de pessoas que estava implementando um diretório de diversidade sexual político-partidário. Não existia, no Brasil, nenhum partido que abraçasse questões voltadas à homossexualidade. E esse pessoal era do PSDB — o partido que fazia contraposição ao PT do então presidente Lula. Eu ingressei no PSDB e formulei o primeiro diretório voltado a políticas de defesa da diversidade sexual, que foi a “Diversidade Tucana”. Infelizmente, o PSDB se perdeu no caminho. Mas, naquela época, tínhamos duas opções: PT ou PSDB. Como eu me importava com a minha questão pessoal de sexualidade, e com todos aqueles que poderiam sofrer o mesmo que eu sofri, me dediquei a construir esse diretório. Foi o primeiro diretório político-partidário voltado à diversidade. Era necessário. Era bastante necessário. Geraldo Alckmin era governador de São Paulo, e o que posso dizer é que ele sempre foi muito receptivo aos pedidos do grupo. Agora, eu não posso dizer que trabalhei com ele. Se o vi pessoalmente duas vezes, foi muito.
Você declarou: “Não é porque eu critiquei Lula que sou bolsonarista”. A política brasileira ainda permite neutralidade ou todo mundo tem que escolher um lado, tipo torcida de futebol?
Hoje, sendo muito honesto, não há espaço para neutralidade. Pode até ter havido em algum momento, mas, neste exato momento, nós temos um campo que, eu nem costumo chamar de polarização, é um campo que trabalha exclusivamente com a mentira, dizendo combater fake news, e um outro campo que, não sei se acertou ou errou quando esteve no poder, mas que hoje, sem dúvida nenhuma, é vítima de perseguição política por meio do Poder Judiciário e das estruturas jurídicas e judiciárias dentro do Poder Executivo. Então, você precisa escolher um lado. Eu digo que sempre fui de direita. Quando saí do armário na faculdade, saí do armário à direita. E isso foi algo complexo, porque os centros acadêmicos aceitariam alguém que se assumisse homossexual, mas, é claro, alguém que se assumisse votando no Lula. E eu nunca votei no Lula. Como saí do armário à direita, fui traçando um caminho. Até porque, eu, como estudante, lia as obras de Marx, lia as obras de Engels, justamente para poder criticar. Isso eu aprendi com os melhores professores que tive: se você quer criticar alguma coisa, você tem que conhecer profundamente essa coisa. Caso contrário, a sua crítica será coisa de gente gaiata, de falastrão, de corneteiro, de quem quer enganar. E como eu estudei, passei a ter propriedade para criticar. Cheguei a um ponto da minha vida em que comecei a olhar para a situação com mais maturidade. Porque nós somos humanos, todo mundo erra. Mas o calor, a emoção do brasileiro, a paixão política do brasileiro está tão à flor da pele que ninguém recebe uma crítica como uma discussão técnica. As pessoas recebem críticas como sinal de inimizade. Demorou um tempo para eu compreender que, para melhorar as coisas no Brasil, você precisa modular o seu discurso. E precisa fazer isso não enganando, não dizendo o que você não entende, mas buscando os pontos de compreensão mais prementes, mais urgentes, mais necessários. Hoje em dia, se você quer entrar no jogo político, sendo candidato ou se candidatando a algum cargo eletivo , você tem que ter um lado. Porque estamos tratando de voto. E, com uma população apaixonada, ganha quem é mais votado. No jornalismo, é um pouco mais delicado. Muitas vezes, também faço críticas ao espectro ideológico da direita brasileira. Mas eu não posso deixar de fazer essas críticas. Porque, a partir do momento em que eu me torno militante, eu deixo de ser professor, deixo de ser cientista, deixo de falar a verdade. É mais fácil viver jogando para um lado só. Sem dúvida nenhuma: você conquista um público fiel, um público cativo. Mas eu já me acostumei com uma renovação de público. E espero que quem me acompanhe nas redes, nos programas que faço, nos textos que escrevo, amadureça, assim como eu amadureço a cada etapa, a cada crítica, a cada notícia nova.
A primeira temporada do No Alvo” já está disponível no canal do YouTube e no +SBT.
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